terça-feira, 3 de novembro de 2009

Uma questão de género

Ontem, o programa Prós e Contras foi sobre a Gripe A. E, para destoar do que costumo ver, a primeira parte do programa foi razoável, sensata e calma (excepção feita aos amoques da senhora apresentadora que a malta já conhece). O resto não vi, não sei, mas, de um modo geral, pareceu-me bastante elucidativo.

Houve, no entanto, um momento daqueles únicos. Daqueles que ilustram o verdadeiro abismo que ainda existe entre a nossa e uma sociedade sem desequilíbrios inacreditáveis de género. O representante do Sindicato dos Enfermeiros estava a expor as dificuldades dos enfermeiros perante um cenário de gripe. Ora, um dos problemas é a falta de pessoal, que se agrava inevitavelmente num hipotético cenário pandémico. Primeiro, porque estão mais expostos à doença, podendo também adoecer, e segundo, porque têm de ir tomar conta dos filhos doentes. E porquê? Disse o senhor numa só frase: "porque esta ainda é uma profissão em que os profissionais são maioritariamente do sexo feminino". E seguiu em frente, atropelando o resto das palavras.
Ninguém reparou, o debate continuou. Ali ficava a ideia dominante de toda a sociedade: quando as crianças adoecem, são as mães que ficam com elas. É à mãe, à mulher, que compete esse papel. Se os enfermeiros fossem maioritariamente homens não haveria problema nenhum. Afinal, não é suposto os pais faltarem aos seus empregos para ficarem com os filhos doentes. Que disparate!
Podia repetir outra vez? Eu sei que o programa não é sobre questões de género, mas repita por favor. As mães é que ficam com os filhos doentes. Nem é preciso questionar, interrogarem-se porquê, é assim.
Não, não é. Não há nada na legislação que diga que são as mães, não há nada no bom senso que o diga - é apenas hábito, preconceito, estereótipo. Felizmente, há pais que faltam ao trabalho quando os seus filhos estão doentes e mães que vão trabalhar. Mesmo que a "sociedade" e o lugar comum nem sequer concebam esse cenário e que olhem de lado os "inovadores progressistas".
Os constantes aconchegos feitos, sem que ninguém se dê conta, a esta perpetuação do status quo da desigualdade de género têm de ser desmascarados, alguém tem de parar e dizer "desculpe, não entendi essa parte do seu raciocínio que supostamente era óbvia". Só assim se darão golpes visíveis a esta constante e enraizada desigualdade - a tal que "nem se nota".