quinta-feira, 4 de março de 2010

subtil, poderoso

Na Holanda, as mulheres tiveram um grande gesto de cidadania, nas eleições autárquicas. Em protesto contra as posições do partido de extrema-direita face ao islamismo, basicamente dizem combater a "islamização da Holanda", foram votar de lenço na cabeça seguindo a tradição muçulmana (menos ortodoxa).



Esta imagem, retirada hoje do jornal oje, mostra quão impactante pode ser um gesto tão subtil, quando combinado em colectivo.
Este gesto nobre de aceitação, de abraço por uma cultura muito diferente da sua, martirizante de diferente, violenta e demolidora por vezes, mostra ao mundo, aos outros, quão singular pode ser uma cultura se for múltipla. Aqui, o problema não é o islamismo, é a extrema-direita, e daí a grande nobreza do gesto. Porque é fácil apontar tudo o que está "errado" na tradição islâmica. Mais difícil é conseguir entender que fazem parte de nós. As mulheres muçulmanas que vivem na Holanda são privilegiadas, em face daquelas que vivem no Afeganistão por exemplo. Têm limitações, por certo incomportáveis para uma mulher ocidental emancipada, mas não há uma escala absoluta de emancipação. É sempre relativa. Até a violência pode ser relativa, mesmo quando é absoluta.
Em Londres, vi mulheres muçulmanas de lenço a fumar cigarros com os seus amigos de todas as cores, vi mulheres de lenço a atender na GAP. Não me chocou, achei maravilhoso. Não me choca que uma mulher decida usar um lenço por escolha sua, mesmo que eu não entenda os pressupostos disso.
Entendo as holandesas ocidentais que usaram lenço em forma de protesto. Faria o mesmo! Por que não hei-de entender que uma mulher use lenço por qualquer coisa em que acredita?
Obviamente, o elogio aqui é mais pelo gesto ocidental do que pelo gesto muçulmano, até porque não conseguiria elogiá-lo, não faz parte de mim. O gesto ocidental de pôr o lenço na cabeça é uma manifestação da utopia que queremos. Uma utopia que vai contra a visão da extrema-direita e, com certeza, de algum do mundo islâmico. Uma utopia de liberdade, de integração, de diferença.
Ando por estes dias a ler um grande livro, Caderno afegão, da Alexandra Lucas Coelho, sobre o qual gostaria de falar quando terminasse. Coloca muitas destas questões em evidência, num mundo tão diferente, mas que é nosso também. Não é possível expulsá-lo, não é possível "ajudá-lo" numa atitude condescendente e de superioridade cultural, é necessário vivê-lo, é necessário colocar o lenço na cabeça. Para mostrar que estamos todo aqui e que o queremos.

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